Emboscado por uma avalanche de crítica surpreendentemente positiva, atirei-me com unhas e dentes a Thor. Como poderia um filme cujo personagem principal ter o aspecto apaneleirado do desconhecido quinto membro dos ABBA e envergar o fato mais estratosférico de sempre ser considerado um clássico instantâneo? Bem, aparentemente hordes de pacatos e bem intencionados cinéfilos caíram na bem urdida “Armadilha Shakespeare”. Esta armadilha não é original nem sequer é um artefacto raro. É usada em abundância pela indústria cinematográfica americana mas a fúria assassina daqueles que são constantemente enganados por ela acaba por se esvair num modesto nada devido à habitual falta de concentração provocada pela hiper-estimulação que essa indústria usa para nos manter sedados.
Mas afinal que “Armadilha Shakespeare” é esta que Kenneth Branagh usa em Thor? Para começar, a ideia de usar Kenneth Branagh como tarefeiro é genial, uma vez que nos transporta imediatamente para um imaginário de cinema de alguma qualidade e elementos com ligeiro cheiro a Shakespeare. Aqueles que sobrevivem esta primeira onda de pretensiosismo por osmose embatem fortemente numa elaborada campanha mediática que consiste em reforçar os elementos da obra desse ultra-utilizado poeta inglês neste Thor. Um filho príncipe que questiona o pai e o sua demanda para se tornar um rei justo através de um conjunto de provas que o fazem compreender a verdadeira dimensão do seu destino, os ódios figadais intra-povos que afinal até podem ser sanados com um pouco de relações públicas e alguma bruxaria Viking.
É esta “Armadilha Shakespeare” que serve de catalizador àqueles que teriam considerado em manter Thor como Guilty Pleasure e que agora lhe fazem publicamente o upgrade para “Rico filme sim senhor, muito provavelmente a melhor adaptação de comics de sempre (again) e para quando um Oscar para filmes mainstream de Super-Herois e uma categoria para personagem inteiramente CGI como aquele macaco ou o duende de olhos grandes do que me fez chorar baba e ranho quando morreu estupidamente no penúltimo Harry Potter?” Mais coisa menos coisa…
Isto claro, é apenas o meu ódio a falar por si. Mas o que eu achei realmente do filme não fica muito além daquilo que o meu preconceito já vinha anunciando antes sequer de ter entrado na sala.
Podemos dividir Thor em três partes, facilmente identificadas como “Actos” ou “Atos” com a nova ortografia que tanto odiamos mas vamos ter que mamar como pequenas vaquinhas refilonas que somos. Na primeira parte o universo dos Deuses, intermináveis fluxos de arco-iris sobrepostos em puro caleidoscópico technicolor, um eden de perder de vista e o guarda roupa reciclado de Xena, a Princesa Guerreira. Deuses, reis, rainhas e a habitual opulência sobrenatural de qualquer reino imaginário que se preze. Thor cai em desgraça e perde o seu martelo. Parte 2, planeta Terra, cidade no fim do mundo, aparentemente criada de raiz como cenário. Thor tenta ganhar a sua humanidade e o cheiro a vagina incandescente de Natalie Portman ajuda-o a seguir o caminho dos justos e nobres. Partes 3, CGI Porn Fest em que a tarefa de compreender o que se passa apenas se torna possível pela simplicidade quase narcolaptica do guião. Fim. Não, afinal não é fim. Agora sim, é o fim. Mais valia ter sido no primeiro fim. Moral da história? “Aquilo a que vocês chamam ciência é aquilo a que nós chamamos magia”. Thor, se me estás a ouvir, podes muito bem enfiar esse martelinho no rabo para a próxima vez que procurares dar profundidade a um momento…
É, quanto a mim, alma pobre e afectada por uma visão enegrecida do mundo que pode muito bem ser apenas fruto de um cérebro com problemas funcionais, um filme reles. É pobrezinho, unidimensional e os personagens nunca passa do estado caricatural de um sketch do Saturday Night Live ou o do Conan O’Brien. Serve apenas como desculpa esfarrapada para cuspir um Avenger à laia de prequela do Avengers que estreia para o ano que que, provavelmente, irá ser da mesma classe de “bardamerda” deste Thor.